terça-feira, 10 de janeiro de 2012

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Clarice Lispector

Clarice Lispector

Clarice Lispector

Clarice ispector

Acabo por Decidir


Faz alguns dias ela resolveu aceitar a companhia, a amizade e o carinho. Resolveu aceitar que passado a gente não esquece, mas presente a gente é que escolhe. Ela entendeu que problema que a gente inventa é a gente que resolve. E ela resolveu. Assumiu o afeto escondido (pois amor não se esconde, irremediavelmente). E decidiu aceitar. Depois de muito pensar ela decidiu dar uma chance a ele. E a ela, principalmente. Arrumou o coração e permitiu os prós de uma companhia, a despeito dos contras. É o preço do amor e ela resolveu pagar. Aceitou o sono compartilhado, aceitou as dificuldades e as delícias da companhia constante, aceitou dividir os planos, o cansaço e outras coisinhas. Amor quando acontece é assim: sem desculpas. Ela entendeu que alegria pode ser escolha e não sorte. E que quando a gente não encontra paz em alguém a gente se faz a paz de alguém. Ela descobriu que a gente pode ser o lugar de repouso que tanto procura. E ela anda toda feliz desde o dia que escolheu que assim seria! Ela aceitou, resolveu, decidiu: ia ser amada. E ponto final.

Octávio Paz


Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim,todas as tardesnossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e de tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais.Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isto que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e queríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiqüíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Adivinhamos que somos de outro mundo...

Miguel Torga


Aqui diante de mim, eu, pecador, me confesso de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau que vão ao leme da nau nesta deriva em que vou.
Me confesso possesso das virtudes teologais, que são três, e dos pecados mortais, que são sete, quando a terra não repete que são mais.
Me confesso o dono das minhas horas. O das facadas cegas e raivosas, e o das ternuras lúcidas e mansas. E de ser de qualquer modo andanças do mesmo todo.
Me confesso de ser charco e luar de charco, à mistura. De ser a corda do arco que atira setas acima e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo que possa nascer em mim. De ter raízes no chão desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem. De ser um anjo caído do tal céu que Deus governa;de ser um monstro saído do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu. Eu, tal e qual como vim para dizer que sou eu aqui,
Diante de mim!

David Hume


David Hume



(...) A vida humana é mais governada pelo acaso do que pela razão, deve ser encarada mais como um enfadonho passatempo do que como uma ocupação séria, e é mais influenciada pelo temperamento de cada um do que por princípios de ordem geral. Devemos empenharmos nela com paixão e ansiedade? Não é merecedora de tanta preocupação. Devemos ser indiferentes a tudo que acontece? Nossa fleuma e falta de interesse far-nos-á perder todo o prazer do jogo. Enquanto especularmos a respeito da vida, a vida já passou. E a morte, embora talvez eles a recebam de maneiras diferentes, trata do mesmo modo o tolo e o filósofo. Tentar reduzir a vida a uma regra e um método exatos, é geralmente uma ocupação dolorosa ou infrutífera e não é isto mais uma prova de que superestimamos o prêmio porque lutamos? E mesmo especular tão cuidadosamente sobre ela, equivaleria a superestimá-la, se para certos temperamentos esta ocupação não fosse uma das mais divertidas a que é dedicar a vida.

Mário Quintana


Por favor não me analise.
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda
Quanto mais eu
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou.
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor
Amor é síntese.
É uma integração de dados.
Não há que tirar nem pôr.
Não me corte em fatias .
Ninguém consegue abraçar um pedaço.
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito amor.